Roberto Padovani

São Paulo/SP
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Roberto Padovani

Economista pela USP, Administrador e Mestre em Economia pela FGV. Economista-chefe do Banco Votorantim. Acompanhou de perto a elaboração e implementação do Plano Real.


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A onda reformista continua


As crises fazem com que as sociedades demandem mudanças, o que explica a impressionante onda de reformas em curso no País.

 

A turbulência nos mercados e a continuidade dos ruídos políticos têm levado à leitura de que as reformas em curso no Congresso possam ser paralisadas, uma incerteza parecida com a que se viu durante a tramitação da previdência em 2017 e 2019. 

 

Há, de fato, motivos para preocupação. Os contínuos ruídos políticos e institucionais acontecem em um governo que não possui uma base de apoio relevante no Congresso, o que, obviamente, não ajuda a tramitação de mudanças constitucionais complexas, como a administrativa e a tributária.

 

Por outro lado, a experiência internacional e a literatura acadêmica mostram que as reformas avançam em ambientes de crise. A ideia é que o desemprego elevado altera a distribuição de custos e benefícios entre os diversos atores sociais. Em situações normais, as mudanças implicam custos claros e de curto prazo para alguns poucos grupos, enquanto os benefícios para a sociedade são abstratos, dispersos e de longo prazo. Justamente por isso, os grupos de interesse conseguem bloquear e postergar avanços. 

 

Nas crises, no entanto, esta lógica se inverte. O custo elevado e generalizado do status quo muda o equilíbrio entre ganhadores e perdedores. A maioria, normalmente silenciosa e descoordenada, ganha força diante de minorias organizadas, vocais e com capacidade de mobilização. A intolerância e o radicalismo fazem com que os grupos de pressão e os partidos de oposição fiquem sem discurso, tornando difícil a defesa de privilégios. 

 

A história do País confirma estes argumentos. As crises de 29 e do início dos anos 60 produziram ajustes importantes, como a organização do mercado de trabalho e do sistema financeiro. Da mesma forma, os choques externos do final dos anos 80 explicam a abertura comercial, o programa de privatização, o fim da hiperinflação e a adoção dos atuais regimes cambial, fiscal e monetário.


A recessão de 2014 e a ociosidade ainda elevada são forças que novamente alinham interesses sociais e incentivam os políticos para uma agenda de mudanças que beneficie o bem público e contrarie interesses particulares. Em um ambiente de intolerância com “direitos adquiridos”, reajustes salariais excessivos e regimes especiais de aposentadoria, a opinião pública passou a ter peso elevado no processo legislativo.

 

Isso significa que, mais que líderes políticos ou governos específicos, é a tensão gerada pelo desemprego e pelas dificuldades nas empresas que tem feito com que o Congresso seja protagonista e permita que reformas difíceis avancem com relativa facilidade.

O resultado é a onda reformista iniciada em 2016, impressionando até os mais otimistas. A definição de um teto de gastos do governo federal, o cadastro positivo e as reformas trabalhista, do ensino médio e da previdência são exemplos de mudanças importantes. Na agenda, estão a autonomia do Banco Central, a revisão da lei de falências, a lei de Saneamento, a PEC emergencial que cria novos gatilhos para controle do gasto obrigatório e as reformas administrativa e tributária. 

 

Não é pouca coisa. Foram raros os momentos na história brasileira em que se assistiu a um ciclo tão longo de reformas, incluindo as mudanças das regras previdenciárias, difíceis e polêmicas em qualquer lugar do mundo. E tudo indica que esta onda ainda não acabou. O argumento corrente é que as reformas são importantes para proteger a economia brasileira dos choques externos e para destravar o crescimento, principalmente após a divulgação do resultado do PIB de 2019 e das revisões para baixo das projeções de 2020.


Por este aspecto, a possível aprovação da reforma tributária chama atenção por ser um caso típico da dificuldade em se mudar. Os custos gerados pelo aumento da carga tributária para determinados setores são visíveis e imediatos, ao passo que as vantagens para a sociedade proporcionadas por um melhor ambiente de negócios são imprecisas, abstratas e de longo prazo. Não por outro motivo, as resistências de certos setores e as dificuldades federativas são históricas no País e sempre inviabilizaram a simplificação do sistema, apesar do consenso de que algo precisa ser feito. Foram quase três décadas de debates e tentativas frustradas de aprovação.


Apesar disso, o tema entrou definitivamente na pauta do Congresso e possui chances de sucesso, mesmo sem um projeto do governo para liderar os debates. A aprovação seria algo notável, mas plenamente compreensível diante da profunda desorganização do sistema, que se tornou disfuncional tanto para o setor público quanto para o privado. A mudança passou a ser uma alternativa bem melhor que a situação corrente. 

 

E mesmo para aqueles setores que perdem com o novo modelo, há constrangimentos na defesa pública de suas teses. O fato de a reforma ser vista pela população como uma agenda positiva, em que a maioria é favorecida, reduz as resistências. Todos argumentos compatíveis com o que sugere a teoria.


Portanto, apesar dos ruídos, da polarização política e da pouca liderança do Executivo, tudo indica que a onda reformista irá continuar. O momento é peculiar e a janela para reformas continua aberta.

 

Roberto Padovani

03.03.2020

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