Filósofa, Escritora, Conferencista e Professora Universitária. Filósofa pela UERJ e Mestre em Educação pela UFRJ. Autora de mais de 30 livros, publicados em diversos países, sendo 10 deles indicados ao Prêmio Jabuti de Literatura.
A Espanha acaba de provar que quando existe vontade política se muda à realidade. De país com maior percentual de mortalidade e acidentes de trânsito da Europa, brilhantemente passou ao menor índice e tem servido de exemplo a toda Comunidade Europeia. Como? Simplesmente instituindo um código de trânsito rigoroso e multas muito altas, mas também - e principalmente - empreendendo fiscalização rígida e inflexível sobre os infratores.
O Brasil detém hoje a triste marca de primeiro lugar mundial em acidentes e mortes no trânsito, especialmente entre jovens. Temos também um dos piores sistemas de ensino do mundo em termos de qualidade, especialmente na rede pública, fato comprovado por exames nacionais e internacionais. O Brasil e todos os brasileiros sabem que não se melhora o ensino nem se civiliza o trânsito apenas construindo novos prédios escolares ou fazendo campanhas educativas na TV, mas falta ao governo vontade para as medidas necessárias e efetivas. Há cerca de uma década entrou em vigor novo código de trânsito, que, embora não tão rigoroso quanto o espanhol, mostrou-se muito eficiente no ano de sua implantação. Houve significativa queda nos índices de acidentes e mortes, simplesmente porque, à época, a fiscalização foi feita com rigor. Infelizmente, a partir daí o que se seguiu foi o gradual afrouxamento das sanções, com perdão institucional até para os que já haviam, ao menos teoricamente, "perdido a carteira". Consequência previsível, porém não evitada: hoje superamos os índices anteriores. O Brasil não precisa de mais ou novas leis. Precisa isso sim e com urgência da aplicação severa e contínua das que já existem.
Concordo que punir apenas não resolve tudo. Mas, sem dúvida, não punir também não resolve e ainda agrava os problemas sociais. A impunidade estimula comportamentos antissociais por parte até de quem jamais teria tais atitudes. É ingenuidade supor que todos os indivíduos vivem de acordo com a ética humanista na qual o direito do outro tem tanta ou maior importância do que o seu próprio direito ou interesse. A maior parte dos homens respeita a moral vigente. Poucos são, porém, os que, além de moralmente corretos são também verdadeiramente éticos. Diferenciemos os dois conceitos, muitas vezes utilizados inadequadamente como sinônimos: Uma pessoa moralmente correta - para definimos de forma simples - é aquela que cumpre e respeita as regras de conduta vigentes na sociedade. Mas é também alguém que tem consciência de que existem sanções se não as cumpre. Significa dizer que é uma pessoa que, por exemplo, não avança o sinal porque sabe que pode causar danos a outros, mas também (e às vezes principalmente) porque teme ou tem consciência de que poderá ser punido, caso a desrespeite. Já a pessoa ética é aquela que age de acordo com a lei e especialmente em respeito aos direitos dos outros, independentemente de haver ou não punição. É um indivíduo que continua agindo da forma que age usualmente, mesmo que ninguém esteja vendo. Em suma, um indivíduo que introjetou os valores de forma tal, que passam a fazer parte dele próprio.
Desejar, sonhar com o dia em que todos serão éticos (e não apenas morais) é um lindo objetivo. Poderemos, então sim, prescindir de leis e regras. Mas enquanto esse dia não chega, condenar os que agem ética e moralmente a conviver com a impunidade dos que transgridam, atropelam ou transformam educação em mero e descompromissado comércio é, no mínimo, injusto e até indecente. Hoje no Brasil grande parte dos justos se sente revoltada ao perceber que a impunidade premia os que agem à revelia das leis; muitos são os que decidem, a partir daí, agir de acordo com o que consideram "o que todos fazem". O preço da impunidade é, assim, altíssimo. Significa assistirmos a cada dia mais indivíduos assumindo conscientemente atitudes inadequadas - pela desesperança e pela triste constatação de que, aos que agem apenas e tão-somente de acordo com o que lhes dá na telha, nada ocorre. A lista de exemplos é extensa; começa nos pequenos deslizes e vai até grandes atos de selvageria. O que está por baixo do aumento explosivo dos atos antissociais é a certeza da impunidade, de que a sociedade permite o desrespeito e a irracionalidade. No cinema, pessoas falam descuidadamente ao celular; nas escolas, alunos concluem seus cursos sem atingir os mais simples objetivos educacionais; nos restaurantes, clientes fumam ignorando a lei; denúncias sobre apropriação de verbas públicas ou malversação de recursos destinados à melhoria social acabam como começaram. Impunes todos.
Como esperar que os demais ajam e sejam, sempre e a cada dia, novos Ghandis?